quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

A overdose.


Lá pelos lados da Colômbia:

- Tranquilo, amigo. Tranquilo, tranquilo!
- Ow, super!
- O quê você faz por aqui?
- Ah, eu costumo ver o nascer do sol. Sabe... as casinhas brotam das montanhas... e tem uma luz rosa, é lindo. E você?
- É... na minha terra era assim também. Nunca pensei que sentiria esse tipo de saudade.
- Dói lá dentro, né?
- Dói... É uma dor sem cor.
- Preto?
- Não...
- Cinza?
- Talvez... sei que não é branco, parece não ter cor, já disse.
- Vamos parar com esse papo?
- Vamos...
- Amigo? Tranquilo, tranquilo?
- Tranquilo...
- Amigo? Amigo?

Silêncio.
Branco.

O objetivo nunca foi perder os sentidos, mas otimizá-los.
De fato, conseguiu.

A respiração, só ela que parou.



domingo, 11 de novembro de 2007

A pergunta.


Ao buscar a pequena na portaria da escola, a mãe se depara com uma pergunta inusitada:


- Mamãe,...
- Fala, flor...
- Para onde vai essa linha tênue que transpassa a vida e se chama tempo, trazendo experiências que nos tornam seres mutantes?
- Não sei, nunca pensei nada a respeito.
---
De mãos dadas, elas entram no carro e mais uma porta é fechada.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

A gente.

A gente era uma ótima combinação.
Boas idéias reunidas.

A gente não existe mais.

Essa gente é pequena.
Que se afoguem no individualismo que tanto preservam!
Que se afoguem no senso cego de responsabilidade que -de fato- tem!

Essa gente não.
Essa gente não tem mais tato.
Essa gente que preciso odiar só por causa do amor que sinto.

Como a gente mudou...
Não se conhece e nem quer se conhecer mais.
Quantos copos, sorrisos e lágrimas...
Tudo acompanhou a água. A mesma que escorreu pelo cano e parou no esgoto.

Ah...essa gente: nada indiferente (ainda).

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A demissão.

Quando o foco é o relógio e o tempo não passa.
Quando está com sono e não pode dormir.
Quando se tem pouco o que aprender e preguiça de ensinar.
Quando os pensamentos não repousam em ninguém e dormem com as preocupações.
Quando a rotina está

T
O
D
A
errada.

É hora de dar tchau.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Os risos.

Gosto de sair.
Gosto de rir com as pessoas.
A gente ri muito.
Fingimos rir juntos e rimos uns dos outros.
Achamos que não é perceptível e que essa artimanha é só nossa.

Pequeno equívoco.
A gente se engana, mas todos riem.
Todos se riem.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

A oração.




Posso correr, Senhor?


As piadas deles são horríveis e os sorrisos são falsos.


Tá faltando bondade por aqui, Senhor.


Tá sobrando deslumbre e arrogância.


Sabe o que é pior, Senhor?


Acabo me misturando entre eles, não posso andar desarmado.


Fico parecido com essa gente e isso me dói.


Ah, Senhor...já mudei tanto, nem questiono mais as coisas.


Mas, ainda, tô procurando um sentido, não vou parar até encontrar.


Tem que ter uma razão, Senhor.


Não é possível que você seja tão sádico assim!


Eles complicam demais e bagunçam meus sentimentos, Senhor.


É difícil e não quero ficar reclamando.


Tô levando do jeito que consigo.


Ninguém entende, Senhor.


Ninguém quer entender, eles estão muito ocupados.


Muda meus olhos, Senhor. Não quero ver como vejo.


Muda minha cabeça, Senhor. Não quero pensar como penso.


Aliás, Senhor, me muda daqui.


Isso tudo parece ser tão grande, mas é tão pequeno.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

O futebol.

É um jogo, aliás, um campeonato.
Tem muita gente assistindo.

Bola no campo.
Apito.
Correria.

Um time não sobrevive só de torcida.
Transpiração.
Retenção.

Game over.
Ninguém ganhou. Empate.
Muitas conversas técnicas:

- blá blá blá
- blá blá blá
- blá blá blá



Havia muitos pontos a seguir nas frases, finalmente, colocaram o final.
Conclusão: problema no ataque.

Fui ao estádio:
Olhei, olhei tanto que o olho secou.
Busquei, busquei tanto que não encontrei.

- E agora?
- Agora? Bola pra frente, oras! Foi só uma rodada e começo a gostar de futebol.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

A primavera.


Asher Durand, Early Morning at Cold Spring, pormenor, 1850







Sempre tão bela, oh primavera!

[ provavelmente, muitos já fizeram essa rima, que de tão boba chega a ser agradável ]



Amo flores, cores quentes, alegria, vestidos, drinks de frutas e cabelos ao vento.
Ok.
Acabou o deslumbre, mas continua sendo minha estação favorita.
Primavera? Primavera me lembra paixão.



E, agora a primeira pessoa se retira:


.
.
.


A paixão é uma patologia que confirma o desequilíbrio humano.




Quando não é correspondida se assemelha ao suor secado pelo calor do sol.



Fica impregnado e você não vê a hora de tirá-lo.



Toma banho, esfrega e reza para que toda aquela secreção desça pelo ralo.



E, ainda desconfiado, pega uma bucha e esfrega a pele até começar a vermelhidão. Não satisfeito, esfrega mais e mais. Sangra.



Nesse momento, certamente, o suor já se foi, mas sua essência abraça sua carne como um vampiro, cresce como rizomas, atinge a alma e impossibilita a paz.






Drama? Ah, sim. É a principal característica.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Os fragmentos.

Isabel Castilho
Óleo sobre tela 60 x 60 cm

Relações fragmentadas,

merecedoras de muita confusão e angústia.

(para pouco tempo)

escorre, escorre, escorre...

Relações fragmentadas,

dignas de muitos calmantes e bebidas.

(para pouca vida)

morre, morre, morre...

Relações fragmentadas,

modernas e desprezíveis.

(para muita gente)

corre, corre, corre...

.

É, o negócio é prosa... porque poesia, definitivamente...

tsk tsk tsk


segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O boteco.


- Por onde as naus de Cabral penetraram a costa brasileira?

- Porto Seguro? Prado? Alcobaça?

- A disputa é grande...

- E onde Tiradentes nasceu?

- Ritápolis? Tiradentes? São João?

- Olha, não sei... Garçom mais uma!

- Mais uma?

- Por que não? Todo mundo vê as pingas que tomo, mas jamais os tombos que levo. As naus penetraram nas Minas e Cabral nasceu na Bahia, oras!

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

As dicas.

Dicas para uma vida feliz:



  • Não questione Deus ou sua existência. O tempo dele parece ser infinito, o nosso não é.

  • Ame sua família. Aperte muito as bochechas das crianças, quando elas crescerem, dificilmente, deixarão você apertá-las de novo.

  • Seja honesto.

  • Tenha sempre algo para cuidar, dê preferência para sua vida.

  • Não busque a perfeição. Ela não existe e a psicose doentia pela otimização do ser, te levará aos distúrbios modernos como stress e transtorno bipolar.

  • Confie em quem você beija na boca. Sofrer faz parte do processo.

  • Ouça música alta e dance da maneira que quiser, não se importe com o que os outros vão pensar, e, se você for apontado, morda o dedo indicador de quem o fez.

  • Coma de tudo, mas não muito. Aumentar o peso na balança é fácil, já o contrário...

  • Evite falar muito. Quando a boca se recusar a ficar fechada, apele para fitas adesivas e outros meios de expressão, como arte, música ou literatura.

  • Guarde seus preconceitos, todos temos os nossos, mas não precisamos defendê-los. Se alguém te disser que é livre de preconceito, desconfie.

  • Não leve desaforos para casa. Rodar a baiana é essencial em alguns casos. Em um futuro breve, renderão ótimas histórias e gargalhadas.

  • Quando você pensar em suicídio, vá para um bar e encha a cara. A única certeza da vida é a morte, não queira antecipar isso.

  • Nunca tenha uma arma na bolsa. Porque, certamente, você será preso e a prisão não é legal.

  • Não se intrometa no trabalho alheio, para isso, contrate apenas especialistas.

  • Evite gastar mais do que ganha. Complicações com bancos são chatas e demoradas.

  • Faça um luau com amigos na beira da praia, mas não deslumbre e não vire hippie.

  • Use drogas ilícitas ao menos uma vez na vida. Ter uma pequena noção do que sua mente é capaz fará com que você se conheça melhor (ou não, rá!).

  • Beije alguém do mesmo sexo que o seu. O sal não seria tão bom sem o açúcar.

  • Vá para o interior algumas vezes. Inspire o cheiro do café recém cuado saindo pelas janelas e o sinta atravessar seus pulmões, faça desse odor um convite e sente na sala de algum velhinho. Converse com ele, pegue na sua mão e ouça com muita atenção cada palavra. Não deixe que sua arrogância impeça essa experiência. Vale lembrar que eles já foram jovens, mas você nunca foi velho.

  • Por fim, crie suas próprias dicas. Invente, grite, sonhe. E, como costuma dizer um amigo: se tudo der certo, vai dar uma merda do caralho.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

O demônio.

"Il est l'heure de s'enivrer! Pour n'être pas les esclaves martyrisés du temps, enivrez-vous; enivrez-vous sans cesse! De vin, poésie ou de vertu, à votre guise." (Baudelaire)

Existiu um demônio que cansou de gritar na mente das pessoas. Ele passou a achar essa atividade enfadonha, pois tinha se tornado obrigatória, além do mais, estava ficando rouco, gradativamente, e, essa situação era incompatível com sua polida vaidade. Então, resolveu mudar de rotina e vivenciar outras experiências. O jovem demônio abandonou seus comuns e partiu para o mundo. Como já esperava, ninguém o compreendeu. Vagou por alguns dias pelo globo, e analisou tanto os seres animados quanto os inanimados, porém o pobre não conseguia se comunicar. Percebeu assim, a importância de aprender alguns idiomas. Além da linguagem da água e do fogo, optou por inglês e francês. Em poucos minutos, conseguiu o que queria, mas tamanha caminhada estava deixando-o com preguiça, ele começou a se associar com as andanças de Deus pela Terra enquanto vomitava o mundo. Essa idéia o enojou e o fez mudar de itinerário. Foi para uma cidade muito famosa, não me recordo o nome. Lá, o demônio sequer foi notado. Ele riu, ele se riu. Lançou mão da sua capacidade de absorver conhecimentos apenas com o olhar e apreendeu tudo que o cercava. Um ano se passou, e a jornada começou a ficar solitária, nessa altura, o demônio já tinha um conceito sólido a respeito dos humanos: eles eram estranhos. O coitado havia se contaminado, um ano foi suficiente para que a angústia e tormenta humana o abraçassem. Quando se deu conta disso, tomou um enorme susto, um susto tão grande que não cabia dentro de si e fez o chão tremer. O mais interessante foi que ele passou a se responsabilizar por tais angústias e tormentas, se sentiu culpado. “Era um demônio, eram os demônios”, pensou. Resolveu voltar para a mente das pessoas e falar isso para seus iguais. Uns acreditaram no amigo e começaram a partir como ele tinha feito. O resultado final era sempre o mesmo: eles se sentiam culpados, e um terremoto acontecia. Foi uma época de tremores pela Terra. Os que não encontraram fundamento naquele discurso, continuaram felizes com sua rotina de gritos e travessuras.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

O menino e a menina.

Já não sou mais um todo, nunca fui.
Hoje quase morri: senti grande falta da parte que você levou.

Agora é presente, tá? Cuida dele e me empresta de vez em quando.
Psiu, é um pedaço do meu coração.

"Você vai longe, menino", dizia a vó com olhar de ternura.
"Você vai longe, menino", diz a menina de olhos fechados, quase chorando.

(E fala com ele que eu sei a respeito das duas estrelas que brilham distintamente, mas que a lua é a mesma. Fala também que da janela do 16º andar ela está linda.)

"E por essa parede passou um fantasma... deixando marcas de saudade".

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

A professora.

- Tia, agora tá certo?
- Ainda não, Maria. Repetiu com certa impaciência.

Ela quis matar a tia. Foi a primeira vez que essa vontade lhe ocorreu, a vontade de matar um ser humano. A tia percebeu tal desejo e reiterou seu desgosto por crianças. Resolveu sair da sala antes que o sadismo tomasse o ambiente e mais uma reunião com a diretora tivesse que ser marcada. Respirou fundo, quase não sentiu os movimentos do ar. O seu pulmão já estava dolorido há meses. Ainda assim, só queria fechar a porta, chegar até o fim do corredor e fumar um cigarro.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

O quebra-cabeças.

No início era assim:
Havia um sábio chinês e uma criança.

O sábio chinês montava um quebra-cabeças e a criança o observava com grande interesse. Eles estavam sentados na margem de um lago. A água era cristalina e não tinha barulho algum, como se os pássaros e o vento também estivessem interessados no desfecho da atividade exercida pelo velho. Ele decidiu dar uma volta para meditar. Como faltavam poucas peças, resolveu agrupá-las depois. Não existia pressa. Assim que o velho desapareceu do campo visual da criança, ela começou a chorar. Revoltada, jogou as pecinhas soltas no lago. O velho retornou e observou a cena com um doce sorriso. Quando ele se curvou para resgatar as pecinhas, uma correnteza repentina impediu que todas fossem recolhidas.

Hoje é assim:
O sábio chinês morreu. A criança cresceu e sempre vai a margem do lago procurar a peça que não foi encontrada.

domingo, 29 de julho de 2007

O fantasma.

E se um fantasma lhe batesse à porta?

Qual seria a melhor coisa a fazer?

Nessa tarde um apareceu por aqui.

Certamente, o ectoplasma precisava dizer algo e como nunca gostei de coisas mal resolvidas, não pude deixar de atendê-lo. Mas, existe uma incoerência nesse contexto: desde quando fantasmas interfonam?

Até o ponto que eu saiba, eles não precisam de permissões... ou precisam? Enfim. O fato é que o deixei entrar e não compreendi muito bem suas palavras, apesar da objetividade demonstrada. Acontece que seu corpo também falava, ainda que não estivesse presente.

Como todo bom fantasma, esse estava morto e não me assustou nem um pouco. Aquele chavão nunca teve tanto valor “tenho medo é dos vivos”. Não precisei oferecer nenhuma bebida (até porque as minhas já estavam acabando), fiquei receosa dele pensar que eu estaria zombando. Imagina...

Conversamos. O coitado só queria desabafar. Falou a respeito de acontecimentos passados, que precisei resgatar na memória.

Foi meio, digamos... etéreo?

Espero que não tenha encontrado nenhum obstáculo no caminho de volta para o além.

terça-feira, 24 de julho de 2007

A espontaneidade.

Olha!
Ela fala tudo que pensa.
Não!
Ela pensa tudo que fala.

Melhor: não pensa, fala.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

A queda.

Ontem bebi muito e cai da escada.
Machucou.